8 de abril de 2016

Alpha... Directions. Jens Harder (Carlsen/Actes Sud/Knockabout Comics)

À medida que a banda desenhada vai conquistando cada vez mais territórios em termos de topicalidade, circulação e até mesmo ontologia, vão surgindo igualmente projectos que se apresentam com um grau particularmente alto de ambição. Jens Harder, o autor de Leviathan, o livro cujo pequeno texto estreou este mesmo espaço, pretende nada mais nada menos do que criar uma série de livros que encerram a história de tudo. Neste momento, os dois primeiros volumes estão disponíveis em várias línguas, mas aqui apenas abordaremos com precisão o primeiro, que lemos com mais atenção. (Mais) 

O projecto total parece tratar-se de uma trilogia, intitulada Alpha Beta Gamma. O primeiro volume intitula-se com mais exactidão Alpha... Directions, o segundo Beta... Civilizations, e distribuir-se-á em dois tomos, e o terceiro intitular-se-á Gamma... Visions. Como o título dá a entender, há uma sequência lógica e organizativa: o volume “alfa” foca desde o início do Universo (de acordo com a teoria científica do Big Bang) até à emergência dos hominídeos, o “beta” centra-se na história do desenvolvimento humano, inclusive os cinco a seis mil anos de civilização, dividindo-se no nascimento de Cristo (por marcar o “ano zero” da dita Era Comum), e o “gama” proporá possíveis desfechos da civilização humana. É certo que este último deveria antes chamar-se “omega”, pela ideia de fim, ou até de “épsilon”, pela sua tendência de esvaziamento; e “beta” pode dar uma ideia de “teste”, “temporário”, o que não deixa de fazer sentido...

Logo à partida, portanto, é como se tivéssemos neste projecto uma espécie de extensão monumental daquele famoso projecto de Robert Crumb, “A Short History of America”, ou o “Here” de Richard McGuire. Por outro lado, é difícil não fazer comparações imediatas com Unflattening, de Sousanis, uma vez que o projecto de Harder é também um exercício particular de uma forma de pensamento e argumentação, pela banda desenhada, de questões filosóficas (no caso, em torno do cosmos e, como veremos, na sua subsunção a uma teleologia humana). Não estamos propriamente perante um projecto narrativo, em que existam figuras humanas ou entidades psicológicas que permitam gerir todos os eventos numa linha fechada, mas antes uma estrutura cronológica que permite um alargamento drástico de elementos, mas que os espraia ancorados num foco. Até certo ponto, Harder procura aliar a estrutura da própria banda desenhada à história do universo. As primeiríssimas imagens, da formação do Universo, de um “nada” a um primeiro caos explosivo, impõe, se assim se pode dizer, as estruturas ortogónicas das vinhetas, como se pretendesse apontar a uma possível “ordem”. Contudo, o autor não irá explorar esta via de forma contínua. Como veremos, apesar da ambição, da abertura e da preocupação ontológica da linguagem da própria banda desenhada, há algo de domesticado em Alpha.

As pranchas apresentam grelhas semi-regulares em que as vinhetas são ocupadas, alternada, intercalada ou simetricamente, por – numa primeira fase - representações esquemáticas e abstractas dos fenómenos físicos indicados textualmente (o rápido arrefecimento após o Big Bang, a emergência de mesões, a formação de átomos, mais tarde a dos aminoácidos e nucleótidos) e – numa fase mais adiantada – por representações realistas dos objectos em questão (sejam cloroplastos e mitocôndrias, sejam bactérias ou organismos mais complexos) – e, por outro lado, imagens mais compreensíveis, de objectos de manufactura humana, que servem como uma espécie de âncora às noções ou eventos retratados. Falamos de produções propriamente humanas, sejam formas científicas, tecnológicas ou artísticas. E se há páginas quase exclusivamente ocupadas pelas imagens explicativas e/ou o mais realistas possíveis – por alturas do criptozóico as imagens já pretendem representar os objectos tal qual eles existiram e se comportavam -, há também alguns momentos em que as pranchas mostram somente um aglomerado, não narrativo, de imagens simbólicas.

O autor espera que emerjam metáforas por contiguidade. Isto é, não apresenta metáforas visuais propriamente ditas, mas coloca lado a lado nas vinhetas as tais representações dos fenómenos físicos e objectos informados culturalmente – o Shiva dançante, Buddha dando os seus primeiros passos, o Deus de Albrecht Dürer... mas também bolas de bilhar, peças de puzzle, sets de Mandelbrot, o pêndulo de Foucault, placas de Petri com colónias, o Atomium de Bruxelas e, lado a lado à afirmação de que “começou a era atómica”, um cogumelo de uma explosão. Todavia, se elas de facto podem surgir e encontram o seu papel no mecanismo de construção de significado, não deixam de operar no interior de aproximações mais ou menos já estipuladas. A utilização de imagens provenientes das mas diversas raízes étnicas, civilizacionais e/ou religiosas (cristãs, hindus, nativas americanas, budistas, egípcias, gregas) serve um propósito claro: o da universalidade das tentativas de explicação deste mesmo universo. Se a espinha dorsal é a perspectiva científica e racional, e o modelo que melhores frutos tem dado nos quadros explicativos e projectivos, o autor não abandona a possibilidade de apelar a “imagens” que procuraram narrativizar, naturalizar e humanizar esses mesmos fenómenos. Ao mesmo tempo, porém, ocorre um fenómeno paralelo: é que essas imagens “metafóricas” e “ilustrativas” surgem enquanto tal, ou seja, acabam por sofrer e serem subsumidas à “imagem verdadeira”, que é a das explicações científicas, apresentadas pela ininterrupta e inflexível faixa verbal e as imagens abstracizantes-esquemáticas.

A formação do planeta Terra, por exemplo, é acompanhado por imagens de uma bola de neve a formar-se descendo uma encosta, ou um magneto a agregar limalhas de ferro, para dar conta da acumulação de matéria formada pelo movimento das forças gravitacionais e eletromagnéticas à escala planetária. É portanto uma “tradução” relativamente expectável, prevista, consabida, que explicita e explica esses mesmos fenómenos.


Por vezes essas imagens são encadeadas numa sequência que se pretende clara na sua progressão. É o que se passa quando se discute a formação dos aminoácidos organizados na dupla hélice, e surge a fotografia famosa de Crick e Watson ao lado do modelo helicoidal, várias posições da linguagem sígnica das bandeiras para metaforizar os nucleotídeos, vários monstros compósitos e ainda a ovelha Dolly. Todas essas imagens são como que partículas que gravitam em torno de uma mesma ideia, e sejam elas especulações mitológicas, consequências científicas ou propostas de modelos explicativos, eles articulam-se nesse nódulo para poder precisar o escopo e alcance da noção debatida. Harder não está, portanto, preocupado em criar uma clara história das ideias científicas, nem tampouco na de uma recepção das noções e da sua transformação cultural, mas tão-somente explorar como é que essas mesmas ideias foram sendo negociadas no cadinho da cultura humana, do modo mais abrangente possível. Nesse sentido, estes livros não têm um propósito claramente pedagógico, como têm, a título de exemplo, os vários projectos de Larry Gonick (que são extremamente cuidadosos na forma de apresentar os factos, teorias e detalhes de uma compreensão, mas ao mesmo tempo são revestidos por uma grande dose de humor), de Squarzoni (cuja dimensão política é mais vincada) ou até de projectos mais populares (Era uma vez o corpo humano, um exemplo tão bom quanto outro, nos seus esquemas antropomórficos). Estaria mais próximo de um Musterbuch, por exemplo. De um depósito ou museu de curiosidades.

Alguns dos momentos são, talvez necessariamente, simplificados. Por exemplo, a emergência da reprodução sexual parece estar prevista desde logo e é mostrada como uma espécie não apenas de inevitabilidade como único processo possível, assim como a da divisão entre géneros masculino e feminino. Uma breve comparação com esse outro grande divulgador da ciência em banda desenhada, Larry Gonick, e sobretudo o seu especializado The Cartoon Guide of Sex, mostra um processo bem mais complexo e matizado. Por exemplo, na cena em que se fala dessas transformações, mostram-se imagens sucessivas de caracóis, cervos, ursos polares, flamingos, hipopótamos, joaninhas e uma espécie de sapos, todos animais “modernos”, para além das imagens colhidas nas variadas mitologias. Isso poderá provocar a ideia de que o sexo surgiria precisamente com esses mesmos animais diversos, e não o que sucedeu consequentemente, isto é, é o primitivo surgimento da solução sexual para a reprodução das espécies que daria azo às mutações e variações que levariam a essa tamanha diversidade biológica. Textualmente isso é explícito, mas a sua concorrência imagética num mesmo plano pode levar a essa confusão. Essa é uma faceta diferenciadora do carácter pedagógico e completo de Gonick e outros, ao passo que o projecto de Harder é o de um estranho e fluido edifício de cadeias visuais.

A estrutura não deixa de ser convencional, então. O que acontece nos momentos de grandes extinções, causadas por alterações climatéricas, cataclismos vulcânicos, etc.? O autor não deixa de seguir os esquemas já existentes, criando divisões capitulares com esses eventos, mas isso apenas sublinha mais uma vez o “intervalo”, e não propriamente a ligação subtil e contínua das espécies de sobrevivem (inclusive vegetais). E há um (compreensível?) maior interesse pela vida animal que pela vegetal (já para não falar do reino protista, que após uma breve menção, é colocado de lado, ou até de formações rochosas, etc.).

Para além desses encadeamentos e sequências, ou séries e ciclos, existem imagens que ocupam toda a prancha, ou até um spread, criando um ritmo paradoxal. Por um lado, interrompem o fluxo, aumentando o grau de não-narratividade, mas por outro surgem como “picos” ou charneiras desta linha de desenvolvimento, confirmando essa direcção, como prometido no título. Essas imagens são a constituição da nossa galáxia, a ignição do Sol, a formação da Terra (estranhamente, a imagem mostra a Terra actual), a queda das primeiras chuvas de água, o surgimento das bactérias, dos eukaryotas, os muitos vermiformes, a diversidade biológica do câmbrico, os coelacantos aventurando-se nas costas devónicas, as florestas carboníferas ou as do terciário, os diplodocus e os seus corpos imponentes, os archaeopteryx aventurando-se nos ares jurássicos, os elefantes primitivos, e, a última imagem, a de um hominídeo, já armado de lança, irrompendo na cena. O uso do termo antropoceno vem confirmar então a visão teleológica que é empregue em todo o projecto (ainda mais confirmada para o facto de que a história da civilização humana ocupará três volumes, mesmo que um seja hipotético: a relação de três volumes para um nada tem a ver dos meros milhares de anos da história da civilização humana para com os milhões do desenvolvimento cósmico, mas mais uma vez se justifica por esse foco humano e pela “aceleração” dos factos observáveis à nossa escala).

A estrutura narrativa desta “história do universo” segue necessariamente a organização linear das mais comprovadas teorias da física contemporânea, mas é precisamente para “texturar” essa mesma lisura e linearidade que Harder “interrompe”, por assim dizer, a progressão das suas representações também forçosamente abstractas, com estas imagens à escala da compreensão humana. Pois sendo um livro, claro está, criado por um ser humano para seres humanos, é natural que toda a história do universo esteja criada de maneira teleológica, tendo o ser humano como seu omega, fito, coroação, razão, propósito. Dessa forma, Harder bebe de todas as fontes possíveis e imaginárias (com uma particular incidência nas produções da cultural ocidental, naturalmente) para criar essa “faixa simbólica”. A identificação de cada imagem, que vai da tapeçaria de Bayeux a Grandville, de Melville a Magritte, de manuscritos medievais a imagens televisuais, é por demais extensa para tentar sequer aqui um seu elenco enciclopédico, de resto inútil numa interpretação genérica.

Mas o que tem a ver o tumulto da composição dos oceanos com a observação tipológica de Leonardo ou a elegância da onda de Hokusai? Podemos interpretar as explosões de magma como imagens dos Infernos imaginados pelos humanos? Um momento problemático é quando se discute o surgimento de mecanismos de defesa e ataque no período câmbrico, como cascas duras, garras, exoesqueletos, dentes, etc., falando-se da “infindável corrida de armamento”, comparável imageticamente a cenas de batalhas, guerras, canibalismo e até mesmo ao quadro de Goya de Saturno comendo os filhos. Mas não se estará assim a influir uma moralidade humana, um juízo de valor que envolve o mal e um comportamento evitável, houvesse a consciência para o fazer, em vez de simplesmente mostrar um processo natural? E ao se revelarem os novos depósitos de carbono durante o carbonífero com imagens do seu aproveitamento industrial, não se estará a preparar o terreno de que essa formação geológica serviria um propósito humano?

A linguagem também é problemática. Num momento falam-se de espécie que “entram em cena e ocupam o seu lugar” (como se viessem de um “fora” inimaginável e impossível de integrar na narrativa); noutro falam-se de “habitats extravagantes e demasiado desenvolvidos de florestas pantanosas” (como se existisse um excesso marcado pelo que viria a seguir).

No epílogo a este volume, Harder explica como os princípios de “variação, mutação, simbiose, combinação, convergência e adaptação não estão limitadas às disciplinas biológicas mas encontram-se igualmente na evolução da tecnologia e de áreas tão distintas como linhas sociais, sistemas linguísticos, arquitectura, música...”. E poderia ter acrescentado, a banda desenhada, que ele manipula precisamente como um meio particularmente apto à ideia de variação dinâmica, de leituras pluridireccionais e plurisignificativas. Algures nesse texto, o autor emprega a palavra “panóptico”; se excluirmos o valor torcionário desse vocábulo, assim como a descarnação do “olho que vê indetectado”, a ideia de um universo feito visível e esbatido numa dimensão de distância é uma metáfora apropriada a este projecto.

As referências à própria banda desenhada ao longo do livro, desde o Pato Donald ao Gon, passando pelo “Here” de Richard McGuire e outros, bebendo quer das suas temáticas quer das suas formas, criam a ideia de que a banda desenhada, enquanto território artístico, é capaz também de criar a sua própria contribuição para a memória, seja ela associada ou própria. E essa talvez seja a dimensão mais interessante e forte de Alpha (e, veremos, dos volumes futuros).


O desenho de Harder continua a obedecer aos princípios que pautam o seu estilo. Um trabalho de linha sólido, de contornos fechados, e depois um burilar mais delicado para marcar texturas, dobras, sombras, por vezes recordando o vitral, outras um desenho antiquado, próprio de reproduções antigas. Mas a utilização de abordagens tais como o pontilismo, a aguada, sempre oscilando entre o uso de três cores (sendo as segundas cores variadas - cinzentos azulados, laranjas esbatidos, um azul opaco, etc., que pode ou não ter uma relação directa com a “fase” representada – e a terceira um verniz metálico, talvez, que dá um toque de luxo a todo o volume).

O livro encontra-se dividido em vários capítulos, organizados pelas mais distintas divisões cronológicas ou categoriais, como uma primeira fase em outro nome que não “universo”, seguindo-se os éons geológicos (hadeano, arqueano), as eras e períodos (câmbrico, ordoviciano, etc.).... Além disso, em momentos-chave, existe uma pequena separata textual, em que se apresentam curtos blocos de texto que re-apresentam as mesmas informações com uma data, de maneira a que possa ser empregue como uma consulta rápida.

Não é de forma alguma a primeira vez que se formam histórias de personagens não-humanas e não-antropomorfizadas, baseando-se em conhecimentos científicos para criar relações narrativas. Recordemo-nos como existem projectos tais como o de ficção/divulgação científica Clan Apis, de Jay Hosler, em torno da vida das abelhas, ou as “sagas” de dinossauros Tyrant, de Steve Bissette, ou Age of Reptiles, de Ricardo Delgado. Em todos esses casos, pode-se argumentar que há, se não pela utilização de diálogos, nomes, e outros traços de antropomorfia (Hosler), o modo de focar certos comportamentos e emoções, e até a cadeia de acontecimentos insiste numa dimensão “humana” (Bissette e Delgado). Mas parece-nos que Harder subsume de facto a história quer da formação do universo, quer da Terra, quer ainda de todas as espécies à escala humana. Não é um problema de criar um enquadramento de compreensão à escala humana – ça va de soi, afinal, repetimos, é um livro feito por um humano: quando as trilobites puderem gravar as suas crónicas ou as galinhas agarrar num lápis, criarão a sua versão dos factos – mas a de agregar todos e quaisquer factos a uma teleologia humana. É um problema em si, ou da banda desenhada? Não. É um problema de “direcções”? Sim. A explorar, portanto.

Nota final: agradecimentos à editora inglesa Knockabout, pelo envio do pdf do primeiro volume. Algumas das imagens colhidas da internet, das várias edições. 

2 comentários:

Hugo disse...

Olá Pedro,
Como te disse, ainda não li isto, mas já o tinha folheado. Com o folhear, tinha ficado com a sensação que um dos objectivos era explodir com as hierarquias entre os diferentes 'sistemas de conhecimento', porque as origens mitológicas pareceram-me apresentadas ao mesmo nível das origens fundamentadas na ciência (que também podem ser 'mitológicas', claro, quando se dão a muitas liberdades criativas ou quando estão contaminadas com ideias feitas, etc.). Na verdade, nem reparei que havia uma faixa de texto, que, como dizes, determina uma interpretação mais específica das imagens e que força a leitura científica.

A mim, interessava-me essa ideia de justapor opções concorrentes e de evidenciar o carácter fundamentalmente interpretativo da ciência. Achas que está muito longe disso? Achas que seria mais bem sucedido se não tivesse a tal faixa de texto, se fosse só imagem?

Pedro Moura disse...

Olá, Hugo.
Vou tentar responder à pergunta, difícil, porque obriga a um exercício de ficção autoral, que não me cabe, mas antes uma palavra sobre o teu primeiro parágrafo.
Não penso que seja a existência de texto em si que se torna determinante na interpretação, se bem que ela fique mais clara. De um ponto de vista religioso, ou aceitamos um dogma ou não, logo, a utilização de várias mitologias, mais do que criar uma espécie de "abertura" (New Age, ou seja o que for), coloca todas elas num mesmo campo, o da "ilustração", o da "simplificação", que apenas têm associações superficiais à verdade científica. O próprio autor fala das suas preocupações de que nos Estados Unidos e, surpreendentemente, na Alemanha (!), o Criacionismo (Intelligent Design, etc.) começa a ganhar terreno em relação à abordagem da ciência (basta ver a forma como as pessoas não compreendem o que significa a palavra "Teoria" no campo científico, julgando que se trata do seu uso mais corrente). Isso cria um paradoxo, porém: se a sua preocupação é dar a ver os modelos mais consensuais da ciência, porquê "ilustrá-los" com cenas mitológicas e/ou da produção humana? O meu grande "beef" com o livro é antes a sua teleologia, a subsunção de existência de tudo à razão de ser humana. Mesmo que veja no "milagre termodinâmico" uma imagem relativamente delicodoce, e seja um prisma bom para reflectir na nossa frágil existência à escala universal, é difícil acreditar que há uma "razão" para que os aminoácidos se juntem em cadeias "significativas", ou que o carbono se junte à vontade com outros elementos para que possa surgir a carne, ou que sol está em combustão para irmos à Costa da Caparica...
Quanto à pergunta, directamente: não sei. O uso apenas de imagem tornaria ainda mais confusa a associação que se pretende entre as faixas concorrentes, e provavelmente criaria um puzzle - nestas condições precisas - inexacto e opaco. Teria de ser outra combinação, parece-me. Já sobre o "carácter fundamentalmente interpretativo da ciência", é muita fruta, parece-me. Mesmo os livros do Larry Gonick, apesar de tudo, apresentam as cadeias subsequentes da "evolução" dessas interpretações. Ainda está por fazer, digo eu, uma narrativa popularizante que demonstre os pára-arrancas das ciências, mas ao mesmo tempo confirmando que é ela própria quem providencia os melhores mecanismos da sua correcção. Noto que há cada vez mais uma desconfiança para com a ciência, que nasce de problemas reais e válidos, mas que começam a transbordar para questões mais ontológicas do próprio enquadramento da razão. Em parte, diria que a "culpa" está nas mãos da falta de capacidade da comunicação da ciência... Mas "Alpha" não está ainda aí.
pedro